Adolescência. Perdida no tempo infinito de férias de verão, em que pais trabalhavam e não estavam nem aí para o que fazia, fugia rumo aos meus, numa casa praticamente abandonada, cheia de assoalhadas diminutas onde bebíamos, cantávamos, tocávamos e dançávamos, invocávamos espíritos e riamos que nem filhos perdidos, pelo menos naquelas tardes infindáveis que se convertiam em noites quentes de verão.
As janelas sempre fechadas, deixavam passar tiras de luz através da madeira rachada, com tinta estalada e ressequida pelo tempo. Ventoinhas marcavam aquele compasso fresco necessário enquanto garrafas de litro de cerveja descansavam na banheira da única casa de banho, cheia de gelo.
Não sei porquê, mas levas-me a esses tempos e lugares idos, onde me sentia livre.
Sigo rumo a ti, nervosa, desejosa, cheia de inseguranças e incertezas. Estarei à altura das expectativas que não me pertencem? Conseguirei eu quebrar dogmas e tabus que eu própria construí? A seu tempo saberemos.
Chego ao centro da capital. O tempo está abafado, salvo somente pelo vento fraco, mas fresco que se faz sentir enquanto subo a rua para ir ao teu encontro.
Relembro as ruelas, na altura do Natal, aquelas por onde ninguém ousa passar por serem escuras e estreitas. Sigo precisamente por uma delas, sabendo que irei fazer uma espécie de corta mato até ti. Sinto passos atrás de mim, deixando-me desconfortável. Acelero o passo, sabendo que esta rua ainda é longa. Os passos aceleram de forma a acompanhar o meu ritmo. Não sou mulher de utilizar mala e opto por colocar cada chave do meu porta chaves entre os dedos e preparar-me para o pior. Olho para cima à medida que abrando o passo. A luz ainda é brilhante, típica de uma manhã estival. Respiro fundo conforme ouço os passos a aproximarem-se e fecho a mão com todas as chaves prontas a defenderem-me.
Viro-me e levanto a mão direita, que é imediatamente travada pela tua mão esquerda. Forças a sua descida até junto do tronco e sussurras-me: “Devias ter mais cuidado ao andar nestas ruelas… és só minha, não te esqueças disso.” - E beijas-me. De forma intensa, como que a recuperar anos de procura um do outro, comigo encurralada contra a parede centenária.
Tento soltar-me, sinto a minha consciência dormente, entorpecida, mas não me soltas. Sobes a saia do meu vestido e segues a reconhecer terreno, dois dedos entram em mim de forma súbita, ansiosos por recolher o néctar que já escorre livremente por e para ti. Oiço um esgar teu, enquanto me trazes os dedos à boca para me dares a provar o prazer que me proporcionas, somente para voltares a beijar-me, sem hipótese de fala, sem hipótese de raciocínio, sem hipótese de fuga.
Vamos andando pela ruela, neste ritmo frenético de beijos infindáveis e mãos em (re)conhecimento corporal até uma porta que abres com mestria sem me largares uma única vez. Sinto o fresco da casa fechada e abro os olhos enquanto fechas a porta atrás de ti. Viras-me de costas para ti, sem nunca deixares de me tocar e beijar a nuca desnudada pelo meu cabelo atado num rabo de cavalo.
- De volta a tempos idos, Alice. Sem conforto ou mordomias. Apenas o sentir de forma livre. - dizes-me ao ouvido, baixinho.
Tal como na adolescência, estou perante uma escadaria em madeira envelhecida, com falhas no verniz já baço e enegrecido. Subo degrau a degrau, atrás de ti que me puxas pela mão e miro tudo ao meu redor. O papel de parede solta-se aqui e ali, amarelado pelos tempos que já não voltam. Chegamos ao topo da escadaria e inalo, de olhos fechados, o cheiro antigo da atmosfera que me envolve. Antes que possa ponderar sequer no que me trouxe aqui e se aqui devia estar, já tu me tomaste novamente de assalto, num beijo onde as nossas línguas dançam a compasso, conhecedoras.
A consciência finalmente desliga. Entrego-me de corpo e alma a ti, sendo toda sensorial. Deitas-me num colchão, numa espécie de cama improvisada, mas surpreendentemente confortável e sinto o teu toque, o teu calor, o teu cheiro, as tuas trincas no meu entre-pernas, o teu arfar, o teu sussurrar, o teu cabelo desalinhado por entre os meus dedos delgados e trémulos, o teu olhar travesso que me faz sorrir antes de me provocares uma gargalhada ao me pressionares a virilha no ponto certo.
Voltas a invadir-me. As minhas costas formam um arco magnífico de prazer, entreabro os olhos e reparo na tira de luz que trespassa a madeira antiga da portada da janela em que partículas de pó dançam despreocupadas, alheias ao nosso festim carnal.
- És minha. Agora não há volta a dar. És e serás sempre minha, Alice!
E entras em mim, fundo, denso, intenso, desnorteando-me, desnorteando-nos até ao êxtase profundo há muito desejado. Caímos exaustos, sorridentes, de pele brilhante e finalmente encaro o teu rosto sorridente, fito o teu olhar desafiador que mira sem cessar cada centímetro do meu corpo, que percorres com a ponta do indicador.
- Hoje não é dia para pensares, Alice minha. É dia para sentires. E é o primeiro de muitos dias sensoriais.
Aceno, vencida e extasiada, recordando novamente a minha adolescência, onde era uma filha perdida e livre, pelo menos naquelas tardes infindáveis que se convertiam em noites quentes de verão.