Sou um ser de combustão interna.
Carrego em mim uma intensidade quase vulcânica, dessas que não arde à vista, mas consome por dentro, devagar, com uma sofreguidão sôfrega e luminosa.
Sinto com a ferocidade dos que não sabem sentir de forma morna.
Tudo em mim é exponencial: o amor, a ausência, o desespero, o riso descompassado, a ternura cruel.
Sinto a tua falta.
Não de ti, na tua versão presente e entorpecida, mas da projecção imaculada que foste em mim.
Do que me fizeste sentir: aquela vertigem doce e perigosa que só os amores contaminados pelo abismo sabem provocar.
Os anos passam, mas a minha essência permanece intacta: selvagem, volátil, irredutivelmente sonhadora.
Continuo enamorada da vida nos seus interstícios; não no que se exibe, mas no que se insinua.
Camuflo-me na minha serra, no ventre húmido da floresta.
Sorrio ao esquilo que salta, cúmplice, e acelero o passo na passagem abrupta da cobra nervosa que, ironicamente, teme mais o meu pisar do que eu a sua dança rastejante.
Continuo a viver entre a solitude e o devaneio, entre os ecos da Petra e os teus assaltos nocturnos, quando me invades no sono com a delicadeza venenosa de quem já não tem lugar.
E o quotidiano, esse porto melancolicamente seguro, continua.
Nem sempre me apetece ancorar.
Gosto do mar revolto, das tempestades que me lembram que estou viva.
Mesmo quando as ondas me rasgam, sou eu, ainda eu.
O último ano foi uma travessia entre sombras.
Perdi o que não me tocava.
Mas também perdi o que me dilacerava de tão fundo que era o corte.
Cruzei caminhos com predadores suaves; manipuladores encantadores, narcisistas sofisticados, que tentaram desestruturar a minha verdade.
E quase conseguiram.
Mas a minha essência, ainda que em ruína, não se curva.
Ninguém se sobrepõe ao que sou.
Posso sangrar até à exaustão, mas continuo em pé, imperfeita e íntegra.
E houve também milagres:
Pessoas que me leem em silêncios, que entendem uma vírgula como se fosse um grito, que atravessam décadas ao meu lado sem ruído.
Tive reencontros com a electricidade dos primeiros toques, dos olhares que acendem pele.
O arrepio adolescente reencontrou-me… e eu deixei.
Cresço. Mesmo quando estagno, cresço.
Sou impulsiva, por vezes cruelmente exacta, outras vezes terrivelmente doce.
Sirvo-me a mim mesma com a brutalidade de quem se conhece.
E está tudo bem.
Não sereno.
Não redondo.
Mas visceralmente meu.
E isso… isso basta.
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