Acordo cedo. Espreguiço-me com intenção, como se pudesse, num único gesto, expulsar da pele a lassidão inteira da madrugada. Abro as portadas da janela e deixo que os primeiros raios de sol me toquem; não de forma tímida, mas com a delicadeza insistente de quem beija sem pedir licença. A brisa matinal envolve-me com um arrepio quase cerimonial, e sorrio ao ver a neblina, ainda teimosa, a coroar o topo da serra como véu antigo sobre uma cabeça sonhadora.
Estou longe do meu palácio. O ar que respiro já não traz vestígios de pinhal, nem o travo agreste do alecrim, nem o perfume terroso dos orégãos. É brisa de mar, agora. De sal entranhado. De portadas carcomidas pelo vento e sujas de areia e saudade.
A chegada teve um sabor agridoce, desses que não se esquecem com o tempo. Voltar à nossa praia e não ver a tua torre. Não te encontrar nela. Estamos, agora, separados por um oceano e por um silêncio ensurdecedor que insisto, por teimosia ou luto, em manter ininterrupto.
Quem ocupou o teu lugar foi uma miúda. Insolente, a julgar pela reacção crispada do Fernando. Falta-lhe a tua atenção paciente, a tua dedicação serena, a tua simpatia luminosa, até a tua humildade discreta. Não me parece má pequena, confesso. Usa mate, como tu. Talvez a única semelhança que partilham, além da profissão estival, essa que em ti era vocação, e nela parece apenas ocupação.
Estendo-me na toalha. Respiro fundo, de olhos fechados. Gargalhadas estalam perto de mim, embora não escute o que as originou. Mais longe, ouvem-se crianças; os seus risos e gritos alternam como marés, chapinhando e fugindo das ondas como se a vida fosse só isto: fuga, água e riso.
A Petra chega, como sempre, sem aviso e para espanto geral. O seu ar pétreo, quase marmóreo, contrasta com as peles morenas e ressequidas dos demais. Mas há nela uma beleza que se impõe, sem pedir licença, altiva, solene, soberana. Surge sempre nos meus dias mais frágeis, como se tivesse um sexto sentido, afinado à minha dor.
A culpa é tua. Onde estás?
Sinto a tua falta. De forma crua. Quase física.
E não sei onde pousar essa ausência sem a estilhaçar ainda mais.
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