A tua presença, antes pacífica e segura, cutuca-me agora, criando um desassossego tal que a trepidação faz abrir as portas daquele armário sombrio e empoeirado, esquecido no sótão da minha alma.
Mas não és propriamente tu. São os meus fantasmas.
Tentam minar-me. Transpõem para o presente memórias passadas de dor, rejeição, mágoa, desdém. Vestem-te com os trapos dos outros. Fazem-me desconfiar de ti com olhos que não são meus — são olhos antigos, partidos, vindos de um tempo onde amar era perigoso.
Estou assim: sentada no sótão, arrasada emocionalmente, com os meus fantasmas a rasgarem-me as vestes e a pregarem-me ao chão…
…quando sinto a Petra entrar de rompante, não pela porta do sótão, mas pela entrada principal do palácio, com um estrondo.
No meio da minha auto infligida mágoa, o meu lado racional preocupa-se com os aldeões — sempre tão assustados com ela em calma, quanto mais em tempestade.
Mas não preciso dizer-lhe onde estou.
A Petra sente-me. Conecta-se ao meu tumulto interior como um cão a farejar a perdiz caída com um chumbo de pólvora.
Chega até mim, furiosa de lucidez, agarra-me pelos ombros, e abana-me com força:
— O que estás a fazer contigo, Alice?! Pára! Um pontão é um porto seguro. A tua ancoragem. Pára de ceder ao trauma!
Depois olha em redor, com aqueles olhos verdes tão intensos que quase fazem esfumar os fantasmas. E por um instante, volto. Ao presente. À razão. Exausta, mas lúcida.
E quando dou por mim, estou na cozinha.
O ar perfumado de café.
A Petra corta tiras finas de maçã verde como tanto gosto. Sorri-me finalmente, sem grande doçura, mas com a ternura de quem está. De quem fica.
— Se te voltares a perder, volto para estarmos juntas aqui. Mas por agora, Alice… simplesmente fica.
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