Já reparaste que nascemos a despedirmo-nos? A vida inteira é uma cadência de partidas, um fio contínuo de pequenas e grandes rupturas. Ao nascer, despedimo-nos do ventre que foi abrigo quente e silencioso. Depois, somos obrigados a afastar-nos dos pais para ingressar num infantário qualquer, onde o desconhecido se torna rotina. Crescemos e deixamos para trás a chucha, essa pacificadora ingénua de angústias, mas não só: despedimo-nos também daquela figura cuidadora que nos amparava quando o pai e a mãe não estavam, para avançarmos rumo à pré-escola.
E a cada etapa a vida insiste em acrescentar experiências ao mesmo tempo que subtrai presenças. Despedimo-nos da última educadora para enfrentar a gravidade da professora primária. Mais tarde, despedimo-nos dela também, que nos guiou com paciência nas letras e nos números, para mergulharmos num oceano de professores desconhecidos. Despedimo-nos ainda de amigos que imaginávamos eternos, mas que se perderam em mudanças de residência, em silêncios irreversíveis, em personalidades que, outrora tão paralelas, se tornaram progressivamente dissonantes.
Na vida adulta, a coreografia das despedidas mantém-se implacável. Dizemos adeus às reuniões familiares, outrora tão numerosas quanto estrondosas, até que o barulho se dissolve em memórias. Despedimo-nos daquela avó que era tudo, despedimo-nos dos pais ao fechar a porta daquela que foi a nossa casa, para que a mesma chave passe a abrir apenas o nosso palácio solitário. Despedimo-nos do primeiro grande amor, aquele que era para sempre, mas que ficou suspenso, inacabado, quase sepultado em silêncio.
E mesmo no envelhecimento, a despedida continua a ser companheira. Perdemos, gota a gota, a saúde. Perdemos a elasticidade do corpo, a paciência para noitadas, sejam elas de trabalho árduo ou de lazer efémero.
É verdade que também ganhamos. Cada experiência, por mais corrosiva que seja, deixa sempre um resquício enriquecedor. Mas neste instante eu sinto-me quebrada, cansada de despedidas, farta de me despir continuamente de afectos e presenças. Não quero mais afastar-me. Quero permanecer. Quero-me aqui, inteira.
House & Home. Casa & Lar. Duas palavras quase gémeas, mas tão distantes na essência. Chega de rejeição. Chega de trauma. Quero-me aqui, contigo, como tem de ser. Chega de tempestades. Quero-te aqui, comigo, como deve ser.
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