
Não dormi muito. Fiquei à janela do meu quarto, a observar os poucos aldeões que corriam apavorados pelas vielas, fugindo da tempestade como se pudessem escapar-lhe. Vi os riachos nascerem no caminho do palácio para sul, correndo livres, indomáveis.
E então chegaste. Invadiste-me o pensamento. Tenho sempre essa tendência de me lembrar de ti quando o ar arrefece. Sorrio. Já não guardo mágoa. As coisas são o que são. Recordo as gargalhadas, as provocações, a curiosidade incessante, o querer ouvir-te sempre mais. Tenho tantas saudades da tua voz, essa voz musical que ainda ressoa em mim, embora a memória dela se vá dissolvendo. Lembro o toque que nunca tive, o desejo suspenso de sentir-te na pele. Lembro o teu fascínio pelos recantos escondidos da minha serra, onde cabem segredos de paixões vividas à pressa, cruas, com cheiro a terra molhada, pele húmida de orvalho, corpos quentes e respirações cortadas.
Adormeci assim, encostada à janela, mergulhada em lembranças, sonhos e desejos, enquanto a tempestade me embalava num espetáculo de luz, estrondos e chuva. E acordei dorida, a espreguiçar-me nos primeiros raios de sol, com o cheiro da terra húmida a encher-me o peito, e com a sensação inquietante de não estar só dentro do meu próprio pensamento.
Estiveste aqui? Sinto o teu cheiro. Procuro-te. Não te encontro. Onde te escondes?
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