Tempos idos. Junto aos tons âmbar e carmesim do calor que se derrama da lareira crepitante, recordo outros tempos e outro calor; o primaveril, subtil e húmido, aquele que se sente na pele e nas flores delicadas que despontam na pradaria, no canto fervoroso e entusiasta dos pássaros que anunciam a chegada do verão, no reconhecimento silencioso dos trilhos da minha serra, agora despida do semblante cinzento, pesado e obtuso do inverno.
Tudo é cíclico, não é? Modas efémeras, tendências fugidias, guerras dos poderosos e consequências inexoráveis para os mais frágeis. Junto aos tons quentes da lareira, recordo outros tempos e outro calor, aqueles em que me acompanhavas, em que sentias trilhos que nunca pisaste, onde o calor húmido da manhã se colava à pele, e não havia censura às palavras, tudo era visceral, cru e genuíno.
Sabes disso. Acredito que o viveste e sentiste como eu. Assim como acredito que a minha súbita fuga perante uma mudança te tenha atropelado, sem tempo para processares o acontecido. Junto aos tons cálidos e profundos da lareira, recordo outros tempos e outro calor: o da mágoa que me consumiu e que não soube exprimir, o da dúvida que me assolou e que não ousava dissipar por medo da resposta.
E agora sinto a calma lenta e o sossego silencioso que procuro há tantos meses, a paz que encerra a dúvida e dissipa o medo da resposta. Sinto o espaço para respirar, para existir sem pressa e, talvez, para a abertura de um novo capítulo, mais sereno e ameno, onde não há gelo cortante, vento impetuoso ou chuva miudinha, mas apenas a quietude necessária para que tudo floresça de novo. Tempos (bem) vindos.


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