O dia nasceu frio, mas solarengo. No entanto, continuo gelada e com o pensamento turvo. Penso na Eva. Eva a emocional que se tornou na Eva racional, desapareceu mal tomei a decisão que ela me disse outrora ser inevitável. Miúda sábia de pensamento objectivo, jovial de comportamento e extremamente irreverente na aparência, nunca passa despercebida.
Espreguiço-me arrepiada. Suspiro profundamente enquanto tento discernir o fio condutor que me trouxe até aqui, mas sou interrompida com uma batida seca na porta que ecoa pelas paredes altas do palácio. Estranho. Não espero visitas de ninguém.
Pego no roube de seda, cor de pérola como a fita do cabelo da Eva e visto-o à medida que me encaminho para a porta. E não posso acreditar no que os meus olhos vêem quando abro.
- Petra?! Não pode ser…!
- Bom dia, Alice! - responde-me Petra esboçando um enorme sorriso. - Preparada para tomar um café, aproveitar este sol maravilhoso e reavivarmos memórias? Estou entusiasmada! Anda daí!
Com isto, pega-me na mão, começa a vaguear pelo palácio comigo atrelada a si, ainda meio incrédula, em busca do meu quarto.
- Ah! Cá está ele! Closet, closet… aqui! Perfeito! A Eva disse-me que precisavas de mim. - Diz-me, enquanto revira o closet de alto a baixo. - Esta não…, hummm vestido lindo, mas para hoje não. Aqui está!
Escolhe umas calças de malha fluidas, claras e uma camisola de malha idêntica. Depois parte em busca de calçado e volta com uns ténis.
- Veste-te, Alice. Tic-tac! O tempo voa e não volta atrás! - e pisca-me o olho.
Sorrio. Olho para ela e aceno derrotada. Ok, ok. Enquanto me visto, observo-a. Não a via há anos, demasiados, nem tinha notícias dela recentemente. De semblante mudado, manteve a sua estrutura óssea de outrora, as suas curvas corporais e o seu cabelo negro como a noite. Os olhos sempre esplêndidos, de um verde-água claro que desorientam quem os observa de perto.
- Óptimo, já estás pronta! Bem mais rápida que eu a preparar-me. Demoro hooooooras! - e solta uma gargalhada fervorosa, rindo de si própria. - Ora bem, passamos pela cozinha, pegamos num café e mostras-me o jardim. Depois conversamos.
Assim fizemos. De café na mão, mostrei-lhe os cantos e recantos do jardim e finalmente parámos no pátio onde nos sentámos a apreciar a vista esplêndida do sol a reflectir na água em frente.
Quando olhei para a Petra, a postura tinha mudado. Estava rígida, de semblante sério.
- A Eva pediu-me para vir. Por precisares de mim. Sei que não o pediste nem falaste com ela, mas no fundo sabes por que estou aqui. - disse-me.
Claro que sabia o porquê. A última semana turva era o motivo da sua visita. Sorri-lhe, terminei o meu café.
- Petra, sei o motivo e agradeço a preocupação de ambas, mas estou óptima e lido muito bem com as sombras do meu jardim e igualmente com esqueletos no meu closet. Penso neles, é certo, mas não lhes permito nenhum tipo de poder na minha realidade actual. Tic-tac! O tempo voa e não volta atrás, lembras-te? - digo-lhe, piscando-lhe o olho.
Petra observava-me enquanto lhe assegurava estar tudo bem, cada movimento meu, parecia até sorver o timbre da minha voz, o meu ritmo cardíaco. Quando terminei, manteve-se em silêncio de olhos fixos em mim. Por minha vez, estava tranquila. Fui-lhe sincera.
- Bem, adoro provar à Eva que ela estava com excesso de zelo em relação a ti, Alice! Eu bem que lhe disse que estavas diferente, mas ela insistiu e, para falar a verdade, não estávamos juntas há imenso tempo. O Mundo está louco, Alice. Parece que o teu Chapeleiro assumiu as rédeas e saiu desenfreado. Mantém-te segura, até de ti, no teu palácio. Sei que a decisão já a tomaste. Não cedas.
Com isto, levanta-se, toma o meu rosto entre as suas mãos pálidas e beija-me. Solta outra gargalhada e diz-me:
- Tic-tac! Voltarei em breve!
Faz-me uma vénia teatral e parte rumo ao portão do palácio.
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