Child

 Tive uma infância… complexa, por assim dizer. Venci muitas adversidades à superfície. Ou seja, vivi-as, ultrapassei-as, segui em frente. Ultrapassei violência que aos dias de hoje daria prisão efectiva, ultrapassei uma tentativa de suicídio acidental, superei uma emancipação precoce. 

Mas todas as adversidades deixam cicatrizes e, por vezes, algumas feridas abertas que, inevitavelmente, não poderão cicatrizar. Estas, por norma, são perpetradas por quem nos é mais próximo, por quem nos devia dar amor e proteger. O desfecho, é uma banca francesa; praticamos no futuro aquilo que nos deram a vivenciar na infância e adolescência ou, opção que decidi seguir, retemos dor, tristeza e algum ressentimento de forma a garantir que não esquecemos aquilo que devemos evitar para privar os s nossos de dor semelhante. 

O meu projecto de vida, para além dos clichés de ser feliz e tudo mais, é proporcionar, não uma melhor vida material a uma descendência, mas sim muni-la de ferramentas importantes para que possa vingar por si com sucesso, conhecimento, educação, ética, moral. Claro que também neste paradigma, aplicar-se-á a banca francesa no desfecho. A mente humana é exclusivamente individual e a solidão por lá existente é quem servirá de conselheira, para o bem ou para o mal. 

Fica porém a certeza de uma consciência inabalavelmente tranquila, por garantir que as vivências do passado não são transmitidas como exemplo a seguir. E esta certeza é, acima de qualquer outra, a felicidade suprema de fazermos um bem por outro/s ser/es sem expectativa de retorno do que quer que seja.