Noto um certo entusiasmo da tua parte. Mas fico apreensiva com a observação à minha alma. Sou algo obscura, não me agrada essa revelação. No entanto, já permiti a tua vinda. Será o que tiver de ser.
— Segue-me, então. Comecemos pela biblioteca e depois logo terás carta branca para o que considerares mais proveitoso. — pisco-te o olho, provocando.
Sigo em passo seguro observando-te de soslaio. Homem maduro, em boa forma física, dotado de inteligência apurada e, de acordo com alguns trabalhos fotográficos que me deste a conhecer outrora, com uma capacidade incrível de percepção do outro.
Trinco o lábio com a ansiedade do que virá. Estarei eu à altura do desafio?
***
Instalo o material de iluminação, mantendo quase sempre um olho em ti. Noto que me observas com curiosidade, tentando disfarçar.
Peço-te que te sentes à secretária, procuro um ângulo lateral, a 45º, que permita ver-te da cabeça aos pés, sentada na cadeira. Isso permite também que a luz da janela crie uma aura nos teus cabelos. Nesse quase contra-luz, sobressaem do teu rosto os olhos e o sorriso.
Viajo com os olhos pela linha da tua mão elegantemente pousada sobre o papel, subo pelo braço, detenho-me um pouco na forma do teu peito que a roupa que escolheste faz sobressair, desço pela anca esquerda, continuo pela perna esbelta, até ao pé.
Gosto do que vejo e tento manter a concentração. Estou ali para fotografar!…
***
Sinto o sol no rosto quando me sento na secretária e olho para nenhures, tentando descontrair e abstrair-me da objectiva apontada a mim. O tempo parece não passar e o tic-tac do relógio parece estar em câmara lenta.
Fico curiosa do porquê de não ouvir o click da máquina e fixo o olhar em ti. Vejo um rubor súbito no teu rosto, denunciando uma… distracção evidente. Sorrio.
— A câmara tem temporizador que possa tirar as fotos por ti?
***
Percebo que fui apanhado. Finjo que não percebi a ironia e respondo, o mais naturalmente possível:
— Não, preciso só de compor uma mecha de cabelo que está a perturbar o enquadramento… Posso?
Faço a pergunta, mas, sem te dar tempo de falar, aproximo-me de ti, coloco os dedos por baixo do teu cabelo, afloro-te o pescoço e a nuca com as costas da mão… Sinto-me estremecer, e sinto o teu estremecimento também. Terá sido da surpresa, ou algo mais?
— Pronto, assim está melhor…
***
Sinto e vejo a minha pele a reagir ao teu toque, à medida que a tua mão desliza na minha nuca. O dia está a ficar mais frio, mas mal o sinto. Pelo contrário, sinto um calor confortável a envolver-me da cabeça aos pés e quase me esqueço do desconforto que a sessão me provoca.
Observo-te quando te afastas novamente, procurando por um indício daquilo que, no fundo, sei que desejas. Sorrio novamente na expectativa.
Sem demoras, levanto-me e encaminho-me para a porta.
— Se não te importas, acho que estou a precisar de beber alguma coisa para descontrair. Trago para ti também? Espero que não estejas com pressa.
***
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