— À tua escolha. Prefiro neutros (preto, branco…), mas veste o que entenderes que te deixa mais à vontade. Quanto à maquilhagem, gosto quando não se nota. Mais tarde, se quiseres fazer algo diferente, poderás carregar-lhe bem — disparo, com um sorriso.
Afastas-te e sais, sabendo bem que o meu olhar está colado a ti.
Pouso a mochila da máquina e o saco das luzes e dirijo-me ao balcão. Com este tempo, tomaria de bom grado um irish coffee. Contento-me com um dedo de whiskey — o café e as natas ficam para depois…
Pego na máquina fotográfica e sento-me, com ela e o copo à minha frente. Mesmo tendo a certeza de que fiz já tudo isso em casa, revejo as regulações e a carga das baterias.
Começo a pensar o que farei com ela, como captar o teu sorriso e o teu olhar, como criar uma aura luminosa nos teus cabelos. Onde quererás ser fotografada? Aqui no bar, perto da lareira acesa, estou confortável. Mas será que o palácio é bem aquecido? O meu pensamento divaga, antecipo cenários possíveis e não sinto o tempo passar.
***
Demoro mais tempo no duche do que houvera decretado. Deixo a água escorrer-me pelo corpo e continuo apreensiva. Não sou muito dada a captação de imagens, sinto-me despida de alma, por assim dizer.
Ainda assim, que seria de mim sem estes desafios fora da caixa? —permito-me pensar. Saio do duche e olho para o relógio. “Foda-se!”, penso. Seco os cabelos o melhor que posso, coloco uma bruma suave no corpo e apanho a roupa que me parece ser mais apropriada.
Quando chego ao bar, dás de cara comigo, de cabelos desalinhados, pencil skirt, body rendado nas mangas e sapato de salto, tudo preto como solicitaste. Achei que seria um contraste interessante com o dourado dos meus cabelos. Maquilhagem muito natural, apenas rímel.
Olhas-me directamente nos olhos esboçando um sorriso. Sinto-me meio envergonhada pelo meu (mais um) atraso, algo completamente atípico da minha parte e sinto-me corar.
— Peço imensa desculpa pela demora! Onde pretendes montar o cenário? Pensei talvez na sala, que é decorada em tons pastel ou, para mais impacto, na biblioteca, mais ao estilo vitoriano.
***
Que chegada gloriosa! Não consigo tirar os olhos da tua face levemente ruborizada, dos teus cabelos que ganharam vida nova com o duche, dos teus lábios irresistivelmente sorridentes. Só dois ou três segundos depois o meu cérebro decifra o som da tua pergunta.
Pois… O cenário. Não tínhamos falado disso…
Respondo, começando devagarinho, espreitando as tuas reacções e procurando não ferir susceptibilidades:
— Eu pretendo, sobretudo, destacar-te, a ti… O teu rosto, o teu corpo — e, se conseguir, a tua alma… Para isso, prefiro um cenário minimalista, de estúdio, com um fundo neutro e uniforme — ou, não sendo possível, uma parede lisa, um lençol esticado, um fundo longínquo e desfocado… Mas, se queres começar por umas fotos no teu ambiente, vamos a isso. Sugiro a biblioteca, pode ser que se consiga tirar proveito das lombadas dos livros.
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