Voltei a falar do que dói. Daquilo que me fica preso entre a garganta e o estômago. Abri-te aquela porta para que conhecesses os meus cantos mais frágeis, deixei-te entrar onde quase ninguém entra. Confiei-te aquilo que me causa uma ferida aberta e, sem sequer arrefecer, já te sentia com a lâmina fria a dilacerar-me.
O que me rasga não é a mudança. É fingires que não estava a acontecer. Esse teatro mal ensaiado de quem jura que está igual quando tudo em ti gritou o contrário. Logo ali, no dia seguinte. Tão evidente, tão desajeitado, que quase me pergunto se achas que sou cega. Ou estúpida. Ou ambas. A tua tentativa de disfarçar… anedótico.
Não tiveste sequer coragem de assumir o que estavas a fazer. Esse recuo tímido, esse desaparecimento sorrateiro, como se esconderes as pegadas apagasse o caminho. Fica-me sempre este gosto amargo de voltar a confiar em pessoas parcas em maturidade, que se recusam a ser inteiras.
Já os meus demónios não mentem, não fogem, não se envergonham de existir. Mostram-me as falhas, exibem as fissuras, rasgam-me onde for preciso, mas fazem-no com uma honestidade brutal (a única coisa que te pedi), quase misericordiosa. E, no meio desse caos íntimo, há mais verdade nos monstros que carrego do que em pessoas que juram tocar-me com cuidado.
Por isso danço com eles. Porque ao menos, no escuro, ninguém finge que é luz.


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